Milicianos e traficantes já se uniram em 180 locais no Rio

Antônio Werneck e Rafael Nascimento de Souza

Vinte anos depois de surgir na comunidade de Rio das Pedras, na Zona Oeste, sob a bandeira do combate ao tráfico de drogas, parte da milícia mudou de perfil para conquistar territórios. Segundo um relatório do Ministério Público estadual, uma parcela da população está subjugada à chamada narcomilícia — termo que define uma união entre paramilitares e traficantes. Essa associação criminosa, de acordo com promotores e investigadores, já controla cerca de 180 localidades, onde a exploração ilegal de serviços e a cobrança de taxas de segurança passaram a ser acompanhadas pelas atividades de bocas de fumo.

As narcomilícias estão na mira do Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público e do Departamento Geral de Homicídios e Proteção à Pessoa (DGHPP) da Polícia Civil. Promotores e investigadores mapearam ações realizadas em conjunto por paramilitares e traficantes nos 13 municípios da Baixada Fluminense. Além disso, esses grupos controlam comunidades das zonas Norte e Oeste do Rio e de São Gonçalo, Itaboraí, Maricá e Rio Bonito.

Investigações também apontam que as narcomilícias podem estar contando com a participação de políticos. Em uma operação realizada ontem pela Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense, Jeferson Ramos de Oliveira, ex-vereador e ex-subsecretário de Obras de Nova Iguaçu, foi preso sob a acusação de chefiar uma dessas quadrilhas, que atua em Austin. Ele e Marcos Antônio do Santos Amaral, o Marquinho Alemão, também capturado, são acusados de terem ordenado pelo menos 20 assassinatos. Com ambos, a polícia encontrou armas e munição.

Segundo a promotora Simone Sibilio, coordenadora do Gaeco, o surgimento das narcomilícias provocou um aumento da violência em diversas comunidades.

— Milicianos enfrentavam quadrilhas de uma facção do tráfico, mas, em determinado momento, decidiram se unir para conquistar territórios dominados por um inimigo em comum. Hoje, sabemos que há cerca de 180 regiões controladas por narcomilícias — diz Simone: — Seus integrantes são mais audaciosos. Temos, principalmente na Baixada, inquéritos sobre narcomilianos que executaram moradores ou comerciantes que não se renderam a eles. Alguns desses crimes foram praticados à luz do dia. Há também casos de estupros.

Somente este ano, o Ministério Público denunciou 285 pessoas por suposta participação em milícias ou narcomilícias. Já o DGHPP prendeu 111 suspeitos desde janeiro, segundo o delegado Antônio Ricardo Lima Nunes, titular do departamento da Polícia Civil.

— Estamos com diversos inquéritos que investigam crimes cometidos por narcomilicianos. Há relatos de assassinatos cometidos à luz do dia — explica.

O ex-secretário nacional de Segurança Pública, coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo, José Vicente, diz que os altos lucros proporcionados pela venda de drogas atraíram as milícias:

— Durante muito tempo houve uma crença ingênua de que, pela origem policial, a maioria dos milicianos seria avessa ao tráfico. Ocorre que, ao renunciar ao freio ético e legal, eles não tinham por que não ir atrás do lucrativo negócio do tráfico.

O deputado federal Marcelo Freixo (PSOL), que presidiu a CPI das Milícias em 2008 na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), afirma que, nos últimos dez anos, muitos traficantes e milicianos foram presos, mas o estado, de acordo com Freixo, continua incapaz de ameaçar o domínio territorial:

— Como isso não foi feito, a milícia avançou e hoje já tem um domínio territorial superior ao do tráfico. Há casos em que o tráfico adotou práticas da milícia, enquanto a milícia assumiu o controle do tráfico.

Baixada está dominada

Investigações do DGHPP apontam que a milícia tomou diversas áreas comandadas pelo tráfico de drogas da maior facção criminosa do estado. Ao ver que a região era rentável para a venda de drogas, a milícia arrendou a localidade para uma outra facção criminosa. Essa prática teria acontecido na Favela da Coreia, em Senador Camará, e em Água Santa.

Na Baixada, a Delegacia de Homicídios e o Gaeco acenderam o alerta. Já se sabe que ao menos 20 grupos paramilitares — que não têm ligações entre si — dominaram todo o território. Quase 4 milhões de pessoas vivem sob o poder de narcomilicianos. Segundo investigadores, dezenas de PMs e outros agentes públicos fazem parte desses grupos.

Na DHBF existem mais de 200 inquéritos, só de 2019, que apuram homicídios praticados por narcomilicianos. Só neste ano, a especializada prendeu 40 criminosos. Entre eles o vereador e ex-secretário de Defesa Civil de Queimados Davi Brasil Caetano (Avante).

De acordo com informações do delegado Moisés Santana, titular da DHBF, a milícia da Baixada tem explorado tudo que dê lucro e é “viciada em matar”:

— Toda a milícia que atua agora na Baixada explora o tráfico de drogas. Exceto a de Cabuçu, que é uma franquia do Wellington da Silva Braga, o Ecko. Fora isso, todos se juntaram a traficantes. Além disso, há uma disputa entre os próprios criminosos para conquistar mais territórios.

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